terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Pipeline. Andy Irons já não grita da varanda


A morte do havaiano, a possível reforma de Slater e o fenómeno natural La Niña assombram o final de temporada havaiana

Para quem conheceu a casa da Billabong há uns anos não são precisas mais palavras. Aqui, onde ficam os surfistas patrocinados pela marca australiana e de onde se espreita a mítica onda do Pipeline Masters - última prova do circuito mundial de surf (WCT), que ontem arrancou - tudo parece demasiado calmo. O ambiente é o sinal de que o surf mundial atravessa um período frágil, a falta de euforia é vista como um mau presságio. Aqui, Andy Irons já não grita da varanda, com a energia electrizante que o distinguia, cada vez que alguém fazia um tubo arriscado em Pipeline. À porta da mansão azul, que tem um telhado em forma de onda e uma porta de madeira gigante toda trabalhada, não há o rebuliço de outros tempos, nem sequer vários carros estacionados à porta, como o jipe preto gigante a dizer "Andy Model" - um misto de presunção e rebeldia, que a uns agradava e a outros nem por isso. Há uma frase do escritor norte-americano Jack Kerouac que diz: "As únicas pessoas para mim são as loucas, as loucas por viver, loucas por falar, loucas por serem salvas" O surfista havaiano, de 32 anos, que morreu recentemente num quarto de hotel em Dallas, com suspeita de overdose, encaixava-se no perfil. A sua energia não está lá mais e isso sente-se aqui.

Mas muito mais (não) se passa na casa. Segundo informações que circulam na ilha, os responsáveis da Billabong acharam por bem separar Joel Parkinson e Mark Occhilupo para o ambiente não piorar. Parko regressou em força depois de uma lesão no pé que o deixou meses parado. Em Haleiwa - primeira etapa das três que formam o Triple Crown of Surfing - chegou e fez um 10 na primeira onda da primeira bateria, pontuação máxima que se pode atribuir. Ganhou o campeonato e é um dos potenciais candidatos à vitória do minicircuito havaiano dentro do campeonato mundial de surf. Também patrocinado pela Billabong, Occy foi campeão do mundo em 1999 e tem um passado conturbado repleto de excessos e ligação à droga que quase destruíram a sua carreira desportiva. "Fiquei muito mal, sabes?, com a bebida e outras drogas. Apanhei um grande susto", contou numa entrevista ao programa "Talking Heads" da ABC. Por aqui circula a tese de que Occy, que sempre gostou de festa, estava a desencaminhar o conterrâneo Parko. Occy, de castigo, dorme em Sunset Beach, Joel fica na casa em frente a Pipeline.

PRESSÃO SOBRE SLATER A morte de Andy foi apenas o primeiro tiro numa indústria do surf que não pára de crescer e cada vez movimenta mais dinheiro. O segundo pode estar para breve. E, de forma irónica, virá pela mão da pessoa que mais fez pelo desporto: Kelly Slater. Se o "rei" se retirar este ano - de barriga cheia com o recorde de 10 títulos mundiais - o interesse das audiências e até dos próprios surfistas pode diminuir bastante. Segundo havaianos contactados pelo i, as marcas já devem estar a fazer "amarrações" a Slater para que não saia este ano do circuito. Não a Quiksilver, que o patrocina. Essa, muito provavelmente, quer que o melhor surfista de todos os tempos abandone a cena pela porta grande. Mas as outras que também facturam com o poder do desporto temem o que virá depois da saída de Kelly. Claro que existem jovens surfistas com níveis técnicos impressionantes - o norte-americano Dane Reynolds (que chegou atrasado ao Havai e ficou em Ventura, na Califórnia, a fazer longboard), o sul-africano Jordy Smith ou o australiano Julian Wilson. Mas Slater, em palco há mais de duas décadas, é quem dita os limites. Sucessor procura-se. A vaga pode abrir já em Janeiro.

Mas ambiente invulgar para a temporada havaiana não se cinge a isto. Quase parece um complô dos tempos onde até a natureza alinha. Não tem havido grandes ondas e o "La Niña" (um fenómeno natural que produz fortes mudanças na dinâmica geral da atmosfera, alterando o comportamento climático e trazendo chuva, ventos fortes e temperaturas mais frias), que acalmou na terça-feira, deu cabo da cabeça a muitos atletas que esperavam o habitual - ondas perfeitas, sol e calor. Os tempos mortos foram passados entre compras em Honolulu e churrascos, mas também houve formas mais criativas de dar a volta ao tédio - na festa que quase sempre os acompanha, ou andar de canoa em Velzyland, por exemplo a alternativa apresentada pela turma brasileira que está no Havai em competição. Para o conceituado shaper local Jeff Bushman, "não há dúvidas de que a morte de Andy Irons e a maldição de la niña" estão a influenciar as vibrações que pairam no North Shore. A isso junta-se também "o facto de o título de campeão do Mundo já estar decidido", explica o especialista português Nuno Jonet, speaker da ASP e consultor da Alfaiate Viagens, que vem em trabalho para o Havai desde 1989.

O 40.º pipe masters A noite de segunda-feira foi de gala no North Shore. Atletas e figuras importantes para o desporto reuniram-se no Turtle Bay Resort para o anual Surfers Poll Award. Como já seria de esperar, Kelly Slater e Stephanie Gilmore venceram o prémio de melhor surfista do ano na categoria masculina e feminina, respectivamente, e Andy Irons foi recordado. A homenagem continua ao longo de toda a etapa do Billabong Pipe Masters, prova desde ontem na água (já a noite caía em Portugal) e que celebra este ano o 40.o aniversário.

Competitivo como é, e para abandonar o palco como nunca ninguém o fez, Kelly Slater não vai querer deixar que a etapa jóia da coroa do circuito mundial lhe escape das mãos. Mas Joel Parkinson, que certamente estará a sentir a falta de Andy Irons na casa, já disse que quer ganhar em Pipeline, conquistar o seu terceiro Triple Crown consecutivo e dedicar o feito a Andy. "Isso seria a maior honra que lhe poderia dar." Ganhe Slater ou Parkinson, o surfista que em tempos gritava na varanda para Pipeline será recordado. E quem conhece a mansão azul sabe a falta que ele lá faz.

Referências bibliográficas:

iONLINE, "Pipeline. Andy Irons já não grita da varanda". http://www.ionline.pt, http://www.ionline.pt/conteudo/92848-pipeline-andy-irons-ja-nao-grita-da-varanda, 09-12-2010[consult. 21-12-2010]

Nenhum comentário:

Postar um comentário