terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Jeremy Flores. O miúdo armou-se em Andy Irons e bateu Slater


O i na vitória do primeiro europeu em Pipeline. Jeremy fala-nos de Andy Irons e Kelly Slater... mete-se na conversa, sem saber o que fará à vida

Jeremy Flores entrou com a cara, a coragem e não só. A sigla A.I. na prancha não era apenas uma homenagem ao surfista havaiano encontrado morto no mês passado num hotel em Dallas. Flores foi buscar a fúria com que Andy Irons competia e serviu-se do estilo provocador único, que tantas vezes deixou Slater surpreso, para bater o campeão do mundo nas meias-finais. A onda de Pipeline, na última etapa do Mundial de surf, parecia uma arena e o jovem atleta, natural das Ilhas Reunião, não tremeu na altura de pegar o bicho de frente.

O espectáculo (sim, porque a primeira meia-final Kelly vs. Flores foi o verdadeiro show) começou logo com uma cena caricata. Slater fez um tubo, mas a onda fechou toda. Quando regressava ao pico, Jeremy apanhou uma onda mesmo à sua frente e saiu em pé. Olhou-o nos olhos e fez-lhe uma pirraça, como quem diz: "Bem, hoje estou com tudo e cheira-me que não vai ser o teu dia." O duelo foi delicioso de se ver. Kelly e Flores são ambos patrocinados pela Quiksilver e o jovem - que fala português do Brasil na perfeição devido à convivência com a namorada e surfista Bruna Schmitz e outros amigos - viaja com o melhor surfista de todos os tempos desde os 12 anos. "É um ídolo, um exemplo, e é um amigo também. Damo-nos muito bem e aprendo muito com ele", admitiu ao i, lembrando-se também de A.I., que detestava perder até a feijões. Irons, um dos recordistas da temporada havaiana, venceu sete etapas do Triple Crown e quatro edições do Pipeline Masters, onde teve confrontos com Slater que ficaram para a história do surf mundial.

Na quinta-feira Flores, de nacionalidade francesa, obteve uma pontuação de 17,50 em 20 possíveis, contra os 17,23 do Rei. A vitória foi decidida a poucos minutos do final da bateria e quando Flores estava sem prioridade. A onda veio, Slater desdenhou e Jeremy, como não podia escolher nem tinha nada a perder, arrancou. Resultado: um tubo longo com direito a outra pequena provocação no fim, a audiência emocionada aos assobios e Kelly a pensar no outside que não tinha feito a melhor escolha. Os últimos segundos foram de tensão. Enquanto a nota não saía, os dois atletas boiavam lado a lado à espera do juízo final. Slater vestia uma licra amarela com o número um nas costas (é o único que tem direito a envergar tal cor, que segundo conversas de praia, é a que mais atrai os tubarões) e Jeremy uma vermelha com o número 14, ou seja, a posição que ocupava no ranking mundial antes de vencer esta prova. "O Kelly Slater era o cara a ganhar e surfar contra ele é sempre muito difícil. Então pensei assim: ''O que é que o Andy Irons ia fazer nesta situação? O que ia passar dentro da cabeça dele?'' Pensei que ele iria para dentro de água com tudo e não iria querer saber do que os outros pensam", confessou.

A final contra o australiano Kieren Perrow também teve o seu quê de adrenalina. Mas depois do que vimos frente a Slater, não podíamos esperar outra coisa do miúdo exótico, que ainda há três meses disse ao i "estar cansado de ser só surfista". Parece que as apostas saíram furadas à maioria daqueles que jogavam pelo seguro. Perante os nomes apurados para as meias-finais, muitos indicavam a dupla Kelly Slater vs. Dane Reynolds para a final do Pipeline Masters. Enganaram-se. Foi Jeremy Flores quem levou a melhor e os 56 mil euros de prémio, depois de repetir a proeza de dar a volta ao resultado nos últimos minutos. Depois, na areia foi recebido por europeus e brasileiros que o carregaram em ombros até ao pódio. A meio do trajecto, Slater juntou-se à confusão e deu os parabéns ao puto que viu crescer. Mas a melhor parte da festa estava para vir.

MOËT & CHANDON Na casa quiksilver Como a habitual cena dos autógrafos e das fotos para exibir no Facebook se afigurava demorada, a reportagem do i decidiu ir pelo atalho e plantou-se à porta da casa da Quiksilver (onde os atletas patrocinados pela marca costumam ficar hospedados) e esperar por Jeremy Flores. Longe da confusão do público e à sombra - porque nem a previsões meteorológicas para o Triple Crown acertaram e o dia que se esperava nublado amanheceu com um sol abrasador -, amigos de Jeremy reuniam-se prontos para comemoração de verdade. "Queres beber alguma coisa?", pergunta-nos uma das anfitriãs em francês. "Água, por favor." "Desculpa, mas só temos cerveja e champanhe." Moët & Chandon era mais do que apropriado para a ocasião e dada a hospitalidade achámos por bem não nos armarmos em esquisitos. Enquanto Jeremy, comovido e de sorriso rasgado, não se cansava de abraçar quem o felicitava, o treinador Yannick (irmão do surfista franco-brasileiro Patrick Beven) não conseguia conter tanta emoção. A relação que tem com o atleta é quase de pai e os dois agarraram-se um ao outro a chorar. Flores nasceu com a sensibilidade à flor da pele e os Beven, que segundo o surfista são seus "irmãos, de sangue mesmo, até ao fim, até à morte", ainda não tinham caído em si. Naquela manhã, o jovem surfista matou três coelhos de uma cajadada só - ganhou a jóia da coroa do circuito mundial de surf, foi o primeiro europeu de sempre a alcançar tal feito e bateu aquele que este ano foi campeão do mundo pela décima vez e que estava determinado a vencer esta etapa. Ou seja, tinha direito à emoção.

E APARECE KELLY SLATER! "É um sonho para mim e acho que é o sonho de todo o mundo. Estou muito feliz. Todos os meus ''irmãos'' e amigos estão aqui. Agradeço a todos os que torcem por mim e que me enviam mensagens mesmo quando perco. Este ano perdi tantos campeonatos que tinha de ganhar alguma coisa", continuou Jeremy, ainda meio trémulo de tanta adrenalina. "Acordei muito cedo, o dia estava muito bonito e só pensei em coisas positivas: nas pessoas que estão do meu lado e de boa saúde e no mar que estava perfeito. Desde sempre que surfo estas ondas e sabia que podia ganhar este campeonato", contava ao i, quando, de repente, Kelly Slater entra no jardim da casa com vista para Pipeline sem Flores ver. Provoca-o simulando que lhe vai roubar o troféu - uma prancha só de uma quilha, uma relíquia construída pelo mítico Gerry Lopez, o mais respeitado campeão de Pipeline - e Jeremy repreende-o em "brasileiro": "Olha aí! Você não vai roubar minha prancha!"

"O Jeremy é um miúdo muito querido, conheço-o há muito tempo. É um óptimo surfista e excelente em tubos. Tenho a certeza que deve ter ficado maluco com esta vitória aqui. Acho que este resultado mostra que ele está com muito mais confiança como atleta, já não cede tão facilmente às emoções e é capaz de fazer o que é suposto numa bateria", disse Slater quando lhe perguntámos o que pensava daquele que poderá vir a ser o seu sucessor na Quiksilver. Quanto à luta na arena, Kelly pôs as coisas tal como as tínhamos visto, omitindo apenas a cena de provocação, não por orgulho, mas talvez por já conhecer a peça. "No início da nossa bateria, Jeremy estava com a prioridade e por isso fui apanhar umas ondas mais pequenas. Fiz um tubo, caí e vi-o a fazer outro à minha frente. Foi aí que fez o nove e meio. Depois conquistei o controlo da bateria e assim estive quase todo o tempo. Ao fim, deixei escapar uma onda, porque pensava que vinha uma maior atrás, mas não veio e o Jeremy fez a pontuação de que precisava. Foi uma má opção da minha parte e o Jeremy agarrou essa oportunidade. Se ele não fosse um excelente surfista de tubos, provavelmente não teria tido aquela pontuação naquela onda."

E agora a pergunta milionária, porque o i não teve alternativa senão tentar a sorte. "E o que vai fazer para o ano?", questionámos como se nada de especial se passasse. Slater anda sempre envolto num grande mistério e ninguém sabe muito bem se se vai retirar da competição ou se já está a pensar no 11.o título. "Shit! I don''t know my plans for the rest of the day!", respondeu, fugindo ao tema, mas com cara de quem sabe muito bem o vai fazer da vida. Sempre soube. Seja por feitio, marketing ou privacidade, o enigma tem os dias contados e só poderá ser prolongado até ao início do próximo ano.




Referências bibliográficas:

iONLINE,"Jeremy Flores. O miúdo armou-se em Andy Irons e bateu Slater". http://www.ionline.pt/,http://www.ionline.pt/conteudo/94402-jeremy-flores-o-miudo-armou-se-em-andy-irons-e-bateu-slater, 18-12-2010[consult. 21-12-2010]

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